“Desadimirável” mundo novo

| domingo, 24 de abril de 2011
Certas obras tornam-se imortais e isso muitas vezes, na grande maioria, aliás, acontece devido ao assunto do qual estas tratam. Certos temas fazem com que uma discussão travada há 5000 anos, ocorra exatamente da mesma forma hoje e ainda assim será atual. Temas que fazem com que isso seja possível são temas que abordam pontos específicos que, ao longo do tempo, mostraram-se praticamente imutáveis, a natureza humana, a psique humana, o modo como uma sociedade, não importa o tamanho do seu país, se comporta, o modo como somos limitados sob as mais diversas ferramentas. São temas que hoje ainda podem preencher muitas paginas e ainda assim sempre darão o que falar.

O título faz menção a conhecida obra de Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo”, onde numa sociedade ”hipotética” toda a sociedade é pré-condicionada pela via biológica e condicionados pela via psicológica a viverem em harmonia com as leis que são vistas como perfeitas e que regem uma sociedade dividida em castas. Na referida sociedade “hipotética” não existe a ética religiosa e os valores que, junto a outros, são os pilares da ATUAL sociedade. Tal regime de cerceamento é muito eficiente em anular revoltas. Os únicos problemas enfrentados com relação as massas eram algumas dúvidas e inseguranças que eram rapidamente sanadas com o uso da droga chamada “soma”. As crianças recebem educação sexual desde a mais tenra infância e por fim a ideia de família foi totalmente extirpada das entranhas da sociedade. No “mundo novo” aqueles que se assemelham com nossa sociedade vivem em uma colônia, uma espécie de zoo onde todos os pilares, citados e ausentes da nova sociedade, ainda são cultivados.

Essa apresentação das ideias de Huxley serve de gancho e ponto inicial para uma comparação e analogia da nossa realidade.

Nascemos e crescemos sempre sendo podados, nosso Desadimirável mundo novo em nada admira, estamos sempre na mesma situação e o que é novo, na verdade não passa de plágio. Atualmente os ditos pensadores limitam-se a analisar, assim como faço agora, os pensamentos dos verdadeiros pensadores antigos. Somos levados desde crianças a crer que a censura acabou, que somos livres.

Assim como no mundo de Huxley, onde o pré-condicionamento biológico existia, hoje somos tambem pré-condicionados. Na sociedade de Huxley o pré-condicionamento ocorria da seguinte forma, os “indivíduos” eram criados in vitro e desde essa faze suas funções e, por consequência a casta a qual pertenceriam, já era decidida. Para cada função era necessário um determinado nível de desenvolvimento cerebral e tal desenvolvimento era calculado e desenvolvido segundo a quantidade de oxigênio que os embriões recebiam. Na nossa sociedade ocorre exatamente a mesma coisa, como no mundo novo, somos levados a acreditar que as coisas são assim por que são e não há outra maneira de ser, somos levados a nos conformar a achar que nossa situação atual é assim por que tem de ser assim, nos enganam dizendo coisas que nós mesmo repetimos achando que de alguma maneira encontraremos uma maneira diferente e viver. Analogamente ao que ocorre no mundo novo, na nossa realidade a melhor maneira de permanecer no poder é fazendo isso de maneira velada, fazendo de uma forma que todos não percebam, que todos achem que você está ausente, muitos acham que a censura, por exemplo, acabou, que somos livres e que realmente temos espaço para expressar nossa voz.

Ainda analisando e comparando o “novo” mundo com o nosso, posso dizer que nosso “oxigênio” tambem é racionado. A ideia de que tudo está como está por que deve ser assim, se aplica a nossa realidade tambem, de quem nasce no asfalto, espera-se que viva sempre no asfalto, quem nasce em favelas sempre vai viver em favela e mudanças não estão visíveis num horizonte próximo. Como as ditas pessoas bondosas seriam tão bondosas se não tivessem alguém para ajudar? Para que elas sejam boas, é preciso miséria. Não digo que só existem aproveitadores da desgraça alheia, mas os que não o são, quando tentam ajudar, se de alguma maneira não derem lucro, não vão muito longe.

Nosso oxigênio é racionado de diversas maneiras, a mais frequente é a apologia a estupidez, quanto mais burros, mais fáceis de nos controlar. Crianças hoje não são levadas a ler e a serem seletivas para que quando cresçam saibam escolher, as ensinam a grudar na TV vendo imitações da xuxa que são mais decadentes que a original e a serem automatizados, robotizados, onde para todos os problemas existe sempre um medicamento disponível.
O mundo novo não admira, é morto e estático. Até onde os loucos são loucos? Loucos são indivíduos cujo comportamento, seja ruim ou exagerado, não se enquadram no que é considerado padrão ou aceitável. Há muitos “diagnósticos” de loucos espalhados por ai, muitos dos chamados loucos o são assim taxados por pensarem e por proporem o que a maioria apenas desconhece e em muitos casos tem medo de ter contato, mesmo que concordem.

No mundo de Huxley, um personagem ganha destaque, um rapaz, cujo nome não me recordo gora, vive na referida colônia onde os costumes assemelham-se a nossa realidade. Esse rapaz torna-se uma atração quando aparece perante os automatizados cidadãos do ”mundo novo”, semelhante a um animal exótico é exibido a pessoas de diferentes castas. Por diversas vezes seu comportamento causa espanto nos mortos-vivos que faziam parte a dócil e domada manada que constituía a população do mundo de Huxley.

Não fazia parte da gama de situações consideradas aceitáveis pelos mortos-vivos a ideia de alguem não tomar soma ou questionar autoridades e leis. Nossa realidade não é tão diferente da fantasia de Huxley. Diariamente somos bombardeados com informações inúteis cuja única utilidade é nos entreter, nos cegar, nos fazer olhar para o lado. Notícias sobre as tão inúteis celebridades, que ganhou o BBB, quem se casou com quem, que se separou de quem. Emissoras e TV como a Rede Globo, manipulando dados para no fim, assim como todas as “fontes de informação” acabarem passando a opinião de quem manda da empresa e jogando algo a esmo como “damos prioridade a verdade”, para ver se alguem acredita, e o pior é que acreditam.

Nossos “oxigênios” são limitados na maior parte de nossas vidas, mentalmente somos sempre direcionados a algo que só posteriormente, quando tudo já está muito arraigado em nossa mente, chegamos a questionar. São muitos os fatores que contribuem para o atual quadro de nossa realidade, dentre elas nossa covardia e preguiça, inclusive de você que agora lê esse texto, que possivelmente vai concordar com o que digo, ou não vai concordar tambem, mas de um jeito ou de outro não farão nada para mudar o que ocorre todos os dias. Sua covardia leitor faz com que todos os dias você seja roubado e, aliada a nosso direcionamento, você não fará nada por que até isso já é visto como algo que não pode ser mudado. O admirável mundo novo não é nada admirável, nós o vemos todos os dias, a diferença é que ele não termina quando fechamos o livro.

Rodrigo Oliveira


2 comentários:

{ Unknown } at: 25 de abril de 2011 às 10:49 disse...

Nossa.. que análise magnífica!
Gosto quando se consegue juntar mídias e analisar dentro do contexto histórico - atual e passado.

Seu texto me fez lembrar de um post que vi no blog quixotando: http://quixotando.wordpress.com/2011/01/27/estudando-huxley-e-isherwood-com-tom-ford/

;D

{ Autores } at: 26 de abril de 2011 às 00:42 disse...

Obrigado Karla, seu retorno é importante e principalmente quando vem aliado e propostas de textos e ideias. Seja sempre bem vinda.

Rodrigo

 

Copyright © 2010 Sarau dos Éteres Blogger Template by Dzignine